quinta-feira, 23 de maio de 2013

Drogas: um debate necessário

Por Alex Monaiar e Pedro Sérgio da Silveira
O debate sobre a questão das drogas deve ser feito abertamente, sem moralismo ou hipocrisia. A maneira como a grande mídia e a maioria dos governos trata o tema é parcial, equivocada e esconde interesses políticos, econômicos e militares.
É importante lembrar que a humanidade sempre se utilizou de substâncias psicoativas para diversos fins e não o deixará de fazer, pois elas são parte da natureza e da cultura dos povos. Assim como a recente proibição das drogas e a cultura proibicionista.
Observando a história do proibicionismo, é possível visualizar uma rede de interesses, primeiramente econômicos e militares.
Cabe destacar episódios como as Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860), em que as potências coloniais Inglaterra e França, fornecedoras de ópio, impuseram pela força das armas a liberdade na venda do psicoativo no mercado Chinês.
As discussões em torno da saúde só viriam mais tarde, nos EUA, com a proibição da cannabis por seus supostos danos à saúde mental, transformando os usuários em “criminosos violentos”, majoritariamente imigrantes mexicanos. Não por acaso o mesmo discurso era reproduzido em relação ao ópio e os imigrantes chineses, ao álcool e os imigrantes irlandeses.
Disfarçadas de preocupação com saúde e segurança (dos americanos frente à ameaça dos imigrantes), foram aprovadas leis que aumentaram o controle e intervenção do Estado sobre essas minorias, associando-as fortemente, com apoio da mídia, a determinadas drogas que a partir desse momento passavam a ser ilegais, marginalizando e criminalizando assim, as drogas e seus usuários.
A figura mais conhecida desse processo foi Al Capone. Após a proibição do álcool com a aprovação da Lei Seca (1919), começou a articular-se o fenômeno do narcotráfico e umas das maiores rede criminosas que se têm notícias, junto a uma escalada assombrosa da criminalidade, violência e corrupção.
Hoje, há várias drogas potencialmente nocivas lícitas (álcool, tabaco, fármacos) e outras ilícitas, cada qual auferindo lucros enormes às suas cadeias de produção e comércio. As lícitas através de um mercado legal e regulamentado, as ilícitas através de um mercado ilegal e violento. Porém, a nocividade da droga não pode ser utilizada para explicar sua licitude na maioria dos países, apontou estudo do periódico médico britânico The Lancet, que classificou as principais drogas segundo seus danos.
Drogas lícitas como tabaco (9º) e álcool (5º) ficaram à frente de drogas ilícitas como maconha (11º) e ecstasy (18º). Isso não quer dizer que álcool e tabaco devam ser proibidos, mas melhor regulamentados, como já o são: produção do álcool deve seguir padrão de qualidade e propagandas de cigarro na televisão são proibidas. A nocividade da droga deve ser utilizada para embasar uma política de drogas em que a regulamentação da droga vise o fortalecimento de políticas promotoras de saúde, que reduzam os potenciais danos do uso abusivo ou problemático das drogas.
Neste sentido, algumas drogas leves, como a maconha, também foram proibidas, mas não por estudos sérios que demonstrassem seus malefícios, mas sim por motivos políticos, econômicos e sociais: da indústria petroquímica, farmacêutica, da celulose e do algodão, bem como da justificativa para criminalizar os pobres e ampliar a ingerência norte-americana em nível internacional. Logo, a definição sobre o que é legal ou ilegal é mais política e econômica do que orientada por critérios de saúde pública.
A chamada “guerra às drogas” impulsionada nas últimas décadas pelos governos norte-americanos tem se demonstrado um completo fracasso – do ponto de vista da redução da produção e do consumo. No entanto, tem sido um sucesso do ponto de vista da indústria bélica, do extermínio da juventude negra e do controle e monitoramento de áreas geográficas fundamentais da América Latina pelos EUA. Historicamente recente, a política proibicionista está diretamente articulada ao imperialismo norte-americano e à criminalização da pobreza.
Desde que foi implementada, sua principal função foi militarizar regiões estratégicas de biodiversidade, recursos hídricos, matérias-primas, minerais, como na Amazônia, além de arruinar a economia camponesa diante do agronegócio, criminalizar movimentos sociais, reprimir comunidades tradicionais, lotar cárceres de jovens pobres, negros e indígenas e não tocar em nada nos banqueiros, empresários e políticos associados em torno da lucrativa atividade de gerenciamento e lavagem de dinheiro do narcotráfico.
Atualmente, o foco central do combate às drogas está nos pequenos traficantes, superlotando as prisões. É preciso inverter a lógica de que o problema das drogas se resolve com aumento da repressão, que na prática vem se demonstrando cara, injusta e ineficiente. Enquanto perdurarem as políticas proibicionistas, o tráfico, a criminalização e a repressão continuarão fazendo suas vítimas, que no Brasil, na esmagadora maioria dos casos, têm cor, idade e classe social: a juventude negra da periferia.
O caminho para reduzir o uso problemático de drogas passa pelo acesso à informação honesta, o investimento em programas de redução de danos, saúde e educação, a regulamentação dos locais de uso, da quantidade consumida em locais públicos, o controle de qualidade da substância produzida, a fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista e ambiental nas unidades produtoras, a garantia de arrecadação de impostos para investir em políticas públicas de distribuição de renda, saúde, educação e moradia, fatores esses que, quando em falta, constituem uma situação de vulnerabilidade em que o uso abusivo/problemático pode ser uma consequência.
Legalizar o plantio, a produção, o comércio e o consumo das drogas, é atingir diretamente a raiz do problema do narcotráfico, porque assegura o controle do Estado e a fiscalização da sociedade sobre essa atividade. Contribui-se assim para diminuir o poder do narcotráfico que se articula pela produção e circulação ilegal das drogas.
É hora de construir um importante debate, ligando o projeto de legalização e regulamentação das drogas, com a luta pelo nosso projeto de sociedade e o programa democrático, popular e socialista. Este é um tema em disputa, e os neoliberais têm defendido suas propostas, limitadas a descriminalização dos usuários, o que não resolve os problemas gerados pela ineficiente “utopia proibicionista”.
Este tema não pode ser tratado de forma isolada na sociedade. A defesa da legalização das drogas não deve se limitar a uma defesa da liberdade individual (ainda que legítima) das pessoas que utilizam substâncias psicoativas, mas sim partir da discussão sobre os problemas sociais gerados pelo proibicionismo, o narcotráfico e a corrupção decorrentes, pautando o fim da guerra e de propostas nocivas como a internação compulsória, para assim construirmos uma política mais humana, pacífica, voltada para o fortalecimento dos direitos humanos e a redução das desigualdades sociais.
Algumas iniciativas nessa direção estão surgindo na América Latina, como no Uruguai onde está em discussão projeto que permite o auto-cultivo da cannabis, a produção via cooperativas, a produção estatal e impõe uma série de regulamentações, como a proibição de propagandas sobre o uso recreativo da cannabis. A discussão sobre que modelo de legalização implementar deve caminhar junto à luta geral pela transformação da sociedade e o fim das opressões.
Já no Brasil, a situação foi de mal a pior. A Lei de Drogas atual (11.343/2006) até separa usuário de traficante, porém não define a quantidade de droga que os diferencia, jogando para os juízes, a partir de seus valores, da situação da apreensão e das condições da pessoa, a decisão de definir se é traficante ou usuário. Segundo Pedro Abramovay, ex-Secretário Nacional de Justiça, “no Brasil, a pessoa surpreendida com droga é considerada traficante, se for pobre, e usuária, se for rica”. Após a nova lei, o tráfico se transformou no crime que mais prende pessoas no país, lembrando o quão seletiva é a justiça e ineficazes os presídios. No inicio do governo Dilma, quando o ex-Secretário defendeu uma nova política de drogas, levantando a bandeira da descriminalização e o fim da prisão para pequenos traficantes (geralmente usuários), perdeu seu cargo de Secretario Nacional de Política sobre Drogas no Ministério da Justiça.
Contudo, há ares de mudanças no Brasil: recentemente uma equipe de juristas durante a reformulação do código penal, propôs um meio para definir a quantia que diferencia usuário de traficante, também propôs a descriminalização do cultivo de drogas com fins de consumo pessoal.
Neste sentido de avanços, saudamos a iniciativa do governo uruguaio de buscar superar a simples descriminalização dos usuários que já estava em curso no país desde 1976, para promover uma nova política, alicerçada no controle estatal sobre a produção e distribuição da cannabis aos seus usuários, bem como o auto-cultivo individual e coletivo através de cooperativas.
Lembramos também que isto só se tornou possível graças à massiva mobilização da juventude para pressionar pela mudança da legislação vigente. Diversos países estão revendo suas políticas de drogas, como Portugal, Canadá, Suíça, Argentina, México, Itália, República Tcheca, dentre outros.
Mesmo com países mais avançados na construção de uma nova política de drogas, como Uruguai e Argentina, e outros menos, como o Brasil, as políticas de drogas nos países da América Latina tem avançado. Inserindo-se junto a outras políticas de fortalecimento dos direitos humanos e combate às desigualdades sociais.

Ressaltamos ainda, que algumas plantas como o cânhamo podem se converter em uma importante alternativa de desenvolvimento sustentável, com a produção barata de celulose, tecido, remédios, alimentos, combustíveis, geração de novas tecnologias biodegradáveis, entre centenas de outras aplicabilidades desta planta, rompendo assim com as transnacionais que dominam o mercado destes produtos e impedem que a pesquisa seja feita de forma livre. Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecer desde 1991 a cannabis natural como medicamento, é praticamente impossível fazer pesquisas com a erva para fins terapêuticos.
Infelizmente a inserção da temática drogas nas Universidades parece ainda tímida. No geral, percebe-se que grande parte dos cursos ainda não elenca disciplinas no quadro básico/obrigatório que trate especificamente desta questão, nem mesmo os mais ligados diretamente às áreas de Saúde, Direito e Educação. As discussões e trabalhos sobre o tema geralmente partem de grupos de pesquisa e coletivos, embora válidos, são insuficientes para dar conta do grande número de profissionais que as Universidades formam todos os anos, mesmo se considerarmos somente essas áreas mais específicas Os profissionais formados, principalmente nessas áreas, de uma forma ou de outra irão se deparar com esse tema, seja em serviços de saúde, tribunais ou escolas. Faz-se necessário uma nova educação sobre drogas, (re)pensar a formação profissional na Universidade sobre o tema,  propiciando a formação de profissionais éticos, críticos e referenciados nos direitos humanos.

A construção de uma nova sociedade passa não pelo aumento da repressão às drogas, mas sim pela construção de soluções pacíficas e democráticas, orientadas ao bem estar da sociedade. Para isto faz-se necessário aprofundar, sem moralismos, o debate sobre o modelo de legalização que queremos (sob o risco de prevalecer as propostas de legalização de mercado, comandada pelas transnacionais), o modelo de educação que queremos (não mais uma educação repressiva que ensina através do medo e não discute o que é de fato necessário) e a construção de lutas que pautem a mudança da legislação vigente, articuladas com o projeto de sociedade que defendemos, o socialismo.
A lei deve estar a favor da paz! Uma nova política de drogas é urgente e necessária!
*Alex Monaiar é estudante de psicologia e Pedro Sérgio da Silveira estudante de história na UFSM, ambos são membros do Coletivo Verde.